Muito já se falou, mas muito pouco se sabe sobre como funciona o Espaço Cubo e o Cubo Card, duas características principais da movimentação independente de Cuiabá. Nessa entrevista, Lenissa Lenza, responsável pela Administração Financeira do Cubo Card, contou detalhes dessa História. Mais informações: http://www.espacocubo.blogger.com.br/
Conte a história do Espaço Cubo, para quem ainda não conhece?
O Espaço Cubo é uma organização coletiva cultural, auto denominada Instituto Cultural, que trabalha uma rede de ações laboratoriais estruturantes da cadeia produtiva cultural, partindo do segmento da música. Temos projetos que contemplam áreas da comunicação, audiovisual, música, educação, economia solidária, artes visuais, teatro, literatura etc.O início da formação do Cubo se deu justamente pela necessidade de termos um grupo coeso trabalhando em prol da cultura alternativa local, autoral e independente.
Num cenário dominado por covers e ações culturais isoladas, enxergamos a necessidade de ter esse ponto de partida atuando de uma maneira nova em Cuiabá (MT). Juntamos três parceiros do movimento estudantil, dois músicos e técnicos de áudio da cidade e montamos o cubo em 2002.
A partir daí, criamos discussões com as bandas locais, grupos de rap, escritores de blog, estudantes e etc em forma de reuniões diárias no cubo, definindo idéias e encaminhando a execução delas. O Festival Calango é um desses projetos, além do projeto 12 atos, imprensa de zine, Grito Rock e etc. Concebendo e executando projetos diversos e envolvendo todos os agentes potenciais da cadeia cultural nas iniciativas, chegamos a uma estrutura bacana de organização coletiva, contendo frentes gestoras (projetos e núcleos geradores e conceituadores dos trabalhos do instituto) e serviços de produção (células de execução das atividades propostas pelas frentes gestoras).
Dentro da estrutura de organização, destaco o planejamento como a célula que media as frentes gestoras e o sistema de crédito cubo card como mediador dos setores produtivos.
Trabalhando de maneira sincrônica, obtivemos resultados organizados, qualificados reunindo direto e indiretamente, uma grande diversidade de agentes culturais, o que possibilitou a ampliação do nosso conceito pelo país.
Quais foram os momentos marcantes de todo o desenvolvimento do Espaço Cubo para a cultura de Cuiabá e nacional?
Em 2002, a criação da AMMT (antiga VOLUME), grupo político de músicos geridos pelo Espaço Cubo, que inclusive moveu abaixo assinado contra a ordem dos músicos e participava em peso dos fóruns políticos culturais locais, garantiu uma notória visibilidade da nossa organização coletiva. Ainda em 2002 o projeto de evento garagem "Domingo no Cubo" atraiu jovens estudantes e artistas de todos os cantos da cidade.
Em 2003, o Festival Calango já se configurou como um Festival dentro do conceito ideal: dois palcos, 22 bandas independentes, intercâmbio com produtores independentes nacionais (Monstro e Porão) e etc. Além de ser o primeiro Festival de música independente de Cuiabá. Isso já causou um impacto localmente e o Cubo começou a ser reconhecido. No mesmo ano, o projeto Imprensa de Zine, executado nas escolas públicas da cidade, ganhou o prêmio UNIMED Receita e Cidadania, mais uma chancela pro Espaço Cubo localmente.
O projeto 12 ATOS ganhou notória visibilidade local em 2003, com eventos autorais permanentes na cidade, contando com bandas nacionais independentes de peso (como Autoramas, Dance of Days e Forgotten). Em 2003 criamos o Grito Rock com shows de bandas locais e do centro oeste, nos dias do carnaval. Um período que deu muito certo: o maior número de público para os nossos eventos até então, depois do Festival Calango. Criamos o primeiro programa de rádio da Imprensa de Zine nas escolas e as escolas se tornavam rotas de circulação das bandas autorais locais. Os jornais oficiais locais já chancelavam nossas ações e as pessoas foram se aproximando, especialmente as instância públicas municipais e estaduais. Ainda em 2003 criamos a I SEMUS - Semana da música.
Em 2004, criamos a Próxima Cena (frente de audiovisual independente), o Sistema de Crédito Cubo Card, produzimos o "Domingo no Campus" e a rádio livre na SBPC realizados na UFMT (em parceria com o panamby) e lançamos a primeira banda local pra rodar nos Festivais independentes - Deffor (Bananada 2004). Em 2004 lançamos a agência cubo de bandas com Deefor, Strauss, Tipumnada, Kayamaré e Donalua no seu casting.
Em 2005, a chancela nacional veio definitivamente com o Festival Calango na rota nacional: 48 bandas (entre as maiores do país), inúmeros produtores nacionais, jornalistas de todo país, além de criar o conceito de artes integradas, propiciando o fomento do cenário independente em outros segmentos culturais. Foi em 2005 também, o ano que fundamos junto a outros produtores, o Circuito Fora do Eixo - rede de coletivos independentes do Brasil e a ABRAFIN - Associação brasileira de Festivais Independentes. Em 2005, o Espaço Cubo desponta para o cenário nacional. Ainda em 2005 lançamos a I Coletânea Cerrado, com diversas bandas locais e o I Programa de rádio e de tv Fora do Eixo.
Em 2006, o sistema de crédito cubo card que havia se iniciado timidamente em 2004, é lançado pro cenário nacional, via Festival Calango. Ainda em 2006 criamos a I SEDA - Semana do audiovisual com a finalização de 04 curtas amadores. Em 2006 Produzimos o primeiro curta-metragem PRESENTE e o primeiro videoclipe profissional da banda Vanguart, além da primeira CUBO TUR Vanguart para Festivais independentes. Ainda em 2006 lançamos o projeto Calango Skate Park promovendo o lançamento de 04 demos das bandas locais e o projeto Jovens Arteiros.
Em 2007, Criamos a Casa Fora do Eixo, casa de shows que movimentou o cenário local permanentemente, sendo a única casa que não tocava cover e fomentou novos coletivos o cenário local como PADAM (griff alternativa), PULLOFF (produtora de eventos), Quantick (Dj´s), PANAMBY (coletivo universitário) e etc. O Grito Rock, nesse ano, se tornou nacional, agindo como um evento integrado em 50 cidades brasileiras e entra pro calendário oficial do município, tendo o apoio da secretaria municipal de cultura. Participamos do Conselho Municipal de cultura aprovando o sistema híbrido do Fundo de investimentos, o conselho tripartite e a atuando na construção do Primeiro Edital Cidade Arte. O videoclipe do Vanguart, produzido em 2006, concorre ao VMB e vence o Festival de Cinema e Vídeo de Cuiabá, na categoria videoclipe pelo júri técnico. Além disso, ele entra na programação da MTV nacional. Ainda em 2007, produzimos o I Festival Fora do Eixo, em São Paulo, ocupando sete casas de shows com bandas independentes de todo o país. Aplicamos oficinas de "Fomento a Coletivos", em quatro municípios de Minas, entre eles o coletivo Retomada e na cidade de Rio Branco (ACRE) com o Coletivo Catraia. Nos tornamos 'fellows' da ASHOKA (organização mundial de empreendedores sociais) e circulamos por quase todos os Festivais e diversos eventos nacionais sobre a música e a cultura. Produzimos através da SEDA o primeiro videoclipe do Macaco Bong e logo veio o segundo "Noise Jams" selecionado por vários festivais do país e entrando na programação oficial da MTV. Também lançamos o Primeiro Festival Volume, realizado no formato Casa de shows. Em 2007 o filme "A cruzada" produzido na SEDA e realizado pela Próxima Cena, vence o Festival de Cinema e Vídeo de Cuiabá, na categoria melhor vídeo pelo júri popular. Ainda em 2007 desenvolvemos o CUBO TEC, sendo um banco "hubby" descentralizado de todas as tecnologias produzidas pelo espaço cubo.
Em 2008, assumimos a gestão do MISC - Museu da Imagem e do Som de Cuiabá e implantamos o primeiro conselho gestor coletivo (junto a sociedade civil) de um órgão público cultural. Também lançamos junto à prefeitura e secretaria municipal de Cuiabá, a Governança integrada, reunindo gestores dos equipamentos públicos e coletivos culturais locais pra debater a política pública cultural de Cuiabá. Lançamos o I Prêmio Hell City da música independente. Criamos um modelo de Centro de mídia independente, sincronizando todos os veículos de comunicação alternativos de cada coletivo, possibilitando ainda a criação do MIC - Mídias integradas e independentes dos coletivos cuiabanos. No mesmo ano produzimos o Portal Fora do Eixo, reunindo comunicadores de todos os coletivos nacionais. Ainda em 2008 o Grito Rock abarca a América do Sul, incluindo produções em cidades como Buenos Aires e Montivideo e o Festival Calango lança a moeda complementar oficial do cubo card no mercado nacional, além de realizar o I Congresso Fora do Eixo, atraindo coletivos de todo o país. 2008 é o ano em que Macaco Bong se torna o melhor CD do ano pela revista Rolling Stone e é distribuído pela Monstro Discos e Fora do Eixo discos. O Festival Calango entra sob a chancela da Petrobrás, sendo um dos projetos selecionados e fecha parcerias com a TRAMA e SOL nacional. A SEDA - Semana do audiovisual ganha o prêmio Funarte e se abre para o cenário nacional. 2008 fundamos a TV CUBO e criamos o Primeiro Documentário do Grito Rock Cuiabá.
Como funciona o Cubo Card?
É um sistema de trocas de serviços e produtos entre os agentes da cadeia produtiva cultural. Inicialmente, organizamos o que seria o nosso "lastro inicial" com os serviços e produtos que o Cubo poderia prestar pras bandas e artistas locais, em troca de shows e espetáculos. Dessa maneira, iniciamos o princípio de um mercado local autoral pautado na troca solidária.Com o tempo, as bandas ofereciam mais serviços além dos seus shows pra trocar com o Cubo e o Cubo buscou novas parcerias com o mercado local para ampliar seu lastro, como empresas de vídeo, restaurantes, hotéis, lojas musicais, tatoo e etc.
A ideia foi ganhando força e até o poder público local se integrou ao sistema. O sistema de viabilizar ações através das trocas, se tornou uma vantagem pro cenário cultural local. Tem duas maneiras para se tornar um agente integrado do cubo card: através do apoio e da participação nos projetos do Instituto. No caso das empresas, trocar o financiamento / apoio dado aos nossos eventos pelos serviços integrados ao sistema é um elemento a mais para o investimento na ação que já oferece a mídia como contrapartida. Assim como para o poder público que naturalmente deve investir em ações estruturantes para a política pública. Além disso a empresa e o poder público ainda têm a opção de "apoiar" em serviços e produtos, ao invés de em real (R$), o que torna ainda mais vantajoso. Para os coletivos / grupos e agentes culturais, o trabalho em parceria e disponibilizado para projetos em geral do Cubo, já garante a integração no sistema. Ou seja, qualquer um pode se integrar ao sistema de crédito pois todo mundo tem o que oferecer para a troca.
A partir da primeira troca efetuada com o Cubo, é realizado um cadastramento do agente, oficializando sua inserção no sistema. O Cubo Card estimula a profissionalização da cadeia produtiva cultural, garante a remuneração que viabiliza a própria manutenção desse cenário e possibilita a criação de novos empreendimentos culturais que conseguem reduzir o custo em R$ do seu orçamento, garantindo o restante via moeda complementar. O Sistema de Crédito Cubo Card atinge hoje o mercado cultural nacional, sendo uma referência para a Economia Solidária brasileira e difundido inclusive em âmbito internacional. O Cubo Card tornou-se modelo para a implementação de outras moedas complementares, no Circuito Cultural Fora do Eixo, como o Goma Card em Uberlândia e fomenta a organização de outras moedas complementares pelos coletivos da rede através do Fora do Eixo Card, além de fomentar a criação de dois sistemas de créditos nas comunidades periféricas de Recife (Alto Zé do Pinho e Santo Amaro) através do PIMB (Plano de implementação de bancos populares e moedas complementares) em parceria com o Lumo Coletivo e a Fundarpe.
Quais são os projetos do Espaço Cubo que estão em andamento? E quais serão os próximos projetos?
Os projetos do Cubo são permanentes, então todos eles são continuados, uma vez criados. No começo de 2009 começamos o PIMB PE (plano de implementação de bancos populares e moedas complementares em Pernambuco), as oficinas do Cubo Tec por Recife, a reformulação do Portal Fora do Eixo, o mapeamento dos serviços e produtos de todos os coletivos da rede, o mapeamento da cadeia produtiva musical independente por regiões do CFE, Congresso Fora do Eixo, Festival Fora do Eixo, Fora do Eixo Discos, o Festival Calango, a Semana da Música, reformulação da gestão do MISC, abertura do Hell City Pub, Turnê do macaco Bong à Argentina, Reforma do estúdio cubo de gravação e etc. Esses são alguns dos projetos em andamento e que são almejados pra finalização em 2009.
O que você poderia destacar da cultura independente no Pará?
O Pará tem uma projeção cultural nacional bem ampla. Digno de um cenário bem diverso e fervilhante, ritmos regionais peculiares como a guitarrada e bandas de peso como Madame Saatan, La pupunã, mestre laurentino, Suzana Flag, além do grande Festival e produtora Serasgum, o Pará está na rota da cena independente nacional e do Circuito Fora do Eixo. Além disso o fotógrafo Renato Reis, um dos maiores fotógrafos parceiros do CFE é do Pará. Apesar de ainda não ter um coletivo que o represente no Circuito e nem compôr um dos Festivais filiados à Abrafin, o Pará demonstra ser uma cena pulsante e sempre promissora.
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